AS NOVAS TECNOLOGIAS,
A COMUNICAÇÃO LITERARIA
E A CRIAÇÃO
Se nos detivermos em ligeiro exame da evolução do processo criativo literário e dos meios para sua comunicação, vemos que em milênios quase nada ocorreu
para além do signo gráfico, já presente nas inscrições do homem primitivo nas
cavernas. Em ideogramas ou nos grafismos dos muitos sistemas de escrita
passados e ainda vigentes, verifica-se que a posição do criador e do receptor
apresenta certa conformidade mais ou menos constante no correr do tempo.
O escrevente do símbolo rupestre, do ideograma egípcio ou chinês e o escritor
moderno, trabalham utilizando, por assim dizer, os mesmos recursos.
Sobre uma substância plana – parede, pedra, pergaminho, tecido ou papel – com
auxílio dos dedos, um estilete, pincel, lápis, pena ou algo similar, mesmo
meios mecânicos, datilográficos – constrói uma mensagem que é o testemunho de
sua existência, de seu dialogar com o tempo e universo. É sua forma de
revelação, o discurso.
O trabalho de recepção implica em um jogo de indagação hermenêutica e
cumplicidade, onde o olhar leitor procede segundo seu nível de consciência, em
busca do sentido que pretende enunciar aquele texto, talvez escrito no
presente, num passado próximo ou imemorial.
O processo criativo se completa, portanto, com o fechamento do circuito
autor/emissor em oposição e cumplicidade com o receptor/leitor, decodificador
ou recodificador dos significantes e significados. Elaborado o texto, deve
buscar seu destinatário, olhar e ouvido in/voluntário.
Até a invenção da imprensa o criador artístico, literário, estava preso a um
limite físico e quantitativo. A imensa dificuldade de reprodução de seus
textos. Nascidos da oralidade, dela ainda necessitavam para chegar aos
destinatários, como se infere dos cantos cerimoniais, da tragédia e da
dependência dos copistas.
Gutembergue rompe revolucionariamente com essas limitações abrindo ensanchas à
reprodução infinita dos textos religiosos, científicos e literários. A partir
do Renascimento, amplia-se o universo da produção e da fruição literária. Os
autores não se limitam à recuperação da tradição greco-latina, mas acendem,
libertos daqueles grilhões, chispas que irão iluminar a humanidade
possibilitando a divulgação e intercâmbio de idéias e sentimentos destinados a
modificar para sempre o conhecimento humano.
A partir da invenção da imprensa de tipos móveis, adquiriram-se suportes
cômodos, acessíveis como os jornais e livros. Desses suportes, ainda depende
grande parte da criação e da comunicação literária.
O livro tornou-se um objeto emblemático, carregado de mística e poderosa carga
simbólica. O livro é o símbolo maior de nossa cultura gráfica. Importa não só
pelo que carrega como conhecimento lavrado nos textos, mas por si mesmo, como
objeto palpável, manuseável, portador de estima ou repúdio. Merecedor de
escrínio, encadernações luxuosas, ilustrações requintadas ou, como sucedeu
tantas vezes, da violência, da destruição, inclusive ritual, como nas
fogueiras inquisitórias ou em autos de fé fundamentalistas, deploráveis ainda
em nossos dias.
O portador da cultura escrita, da poesia, da narrativa, da ciência e da
filosofia, não está passando ilesa à mais recente revolução comunicacional, a
onda digital.
Em pouco tempo caíram as certezas, as seguranças que alimentavam a humanidade.
Sobrevieram dúvidas sobre a plausibilidade das velhas soluções, da sonhada
possibilidade de um mundo de certezas binárias, com padrões definidos e
marcados, apenas redesenhados superficialmente pela corrosão do tempo e das
idéias.
No fundo, restaria a mesma luta entre o bem e o mal, o efêmero e o eterno,
oriente e ocidente, feminino masculino etc.etc. Instaura-se na atmosfera pós-
moderna o mundo em transe, as mais profundas rupturas, a permanente
desconstrução.
O que pode afetar mais intensamente a comunicação literária, e o processo
mesmo da criação artística, reside nos múltiplos caminhos da era digital, da
informática, da permanente contemporaneidade das informações.
A internete que introduz a linguagem dos e-mails, substituindo a tradição
epistolar. Os jornais eletrônicos, os sítios informativos, os blogs e
similares, vão a cada dia veiculando, digerindo, propagando aqueles textos que
só tinham cidadania nos impressos: jornais, livros e revistas.
Para muitos o livro como conhecemos está com os dias contados. A forma que lhe
deu universalidade vem sendo atacada de maneira inexorável pelo vírus digital.
Seus conteúdos podem ser guardados em arquivos acondicionados em espaços de
memória eletrônica, imaterial, residentes em cada vez mais minusculizados
chips.
Bibliotecas digitais espalham-se pelo mundo, sempre disponíveis na tela de seu
computador. Algumas pessoas já não conseguem ler livros materiais. Compram,
escaneiam suas páginas, e os descartam. De outro lado, assistimos o nascimento
do livro eletrônico, Kindle, da Amazon.com e Reader, da Sony. Essas novas
ferramentas aproximam-se do livro tradicional e dialogam com os modernos meios
dígitos-virtuais, pois têm a portabilidade dos livros e podem acomodar
bibliotecas inteiras. Superando a cintilância das telas dos computadores, os
novos equipamentos apresentam uma tecnologia sofisticada, semelhante ao
papel,com possibilidades desse papel eletrônico poder receber a tinta
eletrônica, que já promete versões coloridas. Um exemplo concreto é que o
governador da Califórnia, Arnold Schwazenegger, acaba de oferecer a todos os
alunos da rede escolar livros digitais. Se exitosa a iniciativa, será o fim
das bolsas, pastas, mochilas e pesados compêndios que sobrecarregam os
estudantes.
Com isso, indaga-se sobre a propalada morte do livro. Reconhecendo que a
revolução digital, as conquistas da informática são irrefreáveis, qual seria o
lugar dos criadores literários e do livro nos próximos momentos?
Há de se convir que os novos meios instauram novas linguagens, portadoras de
novos significantes e significados. Neste âmbito já convivem sem conflitos as
novas gerações. Já não podemos entregar-lhes, como meio único de acesso à
criação literária, o material impresso.
Muitas experiências estão sendo postas em prática: sítios, páginas, portais,
blogs, e-mail. Textos literários são veiculados, enriquecidos com imagens e
sons, numa espécie de retorno à comunicação primal face a face, cuja maior
altura alcançou no teatro grego.
Vivemos cada vez mais uma simultaneidade, uma convergência de informações, no
processo globalizado e globalizante. Lamento não participar da infância desses
novos meios, permaneço gutemberguiano, linear, sucessivo, com remorso pela
perda daquele olhar que ilumina as crianças e jovens que vão reordenando o
mundo, não mais a partir de uma ideal perspectiva, mas de infinitas janelas,
possíveis a um breve “clic”.
Imagino, então, um novo painel com livros digitais, holográficos, e toda
cultura gerada e todo saber construído compartilhado, disponível, no novo
espaço de etéreas estantes virtuais. O criador literário, poeta, contista,
romancista, teatrólogo, deverá ser educado para esses novos meios. Ao
contrário do que se possa pensar, a realidade não será limite à criação. As
possibilidades serão mais vivas, mais amplas, mais desafiantes.
Critica-se que na comunicação digital se aceita tudo, que prolifera a
mediocridade e a repetição do inócuo. Também já se disse que papel aceita
tudo. Isto não inviabilizou o livro e as publicações sérias. Superado o
momento inicial onde esses poderosos meios têm acolhido, por sua infinita
abertura, muitas vezes o lixo, a escória, sobrevirá inevitavelmente o olhar
seletivo, a voz nova e enriquecedora, portas para o encontro/desencontro dos
conteúdos humanos.
A crise de vazio nos meios de comunicação não pode ser debitada aos meios como
ferramentas, mas ao próprio perdimento humano, fragmentado, exilado de
transcendência, no estupor de descobrir-se em novas identidades.
A influência dos novos meios de comunicação opera instaurando novas exigências
ao processo criativo, coerentes com suportes inusitados e assombrosos. É
possível que os suportes tradicionais como o livro, a revista, o jornal
sobrevivam apenas complementarmente.
Deverão ser tão ricas as possibilidades de veiculação da criação que cada
autor poderá optar pelo caminho mais conveniente para sua mensagem. Os
livros, revistas, jornais poderão existir fisicamente ao lado dos arquivos
virtuais, ou, me parece óbvio, que os textos habitantes da mente virtual
planetária, em algum momento, possam encarnar nesses suportes tradicionais.
Tudo à disposição do escritor e às conveniências do leitor. Não está longe o
dia em que cada aluno, em sua carteira escolar, terá disponível um terminal de
computador. Neste dia o professor apenas indicará o endereço do texto, do
conteúdo do estudo para alimentar sua aula. Mais tempo se reservará para o
diálogo, para questionamentos, para encontros significativos da breve
existencialidade humana. Os escritores poderão estar em cada sala on-line em
texto ou presença.
Assim como a invenção de Gutembergue desencadeou uma revolução cultural sem
precedentes, a revolução das novas mídias potencializará ainda mais a ânsia
criativa do homem, desafiando novo instrumental crítico para a atuação
seletiva e livre da mente humana, arrancada da mera recepção estática e
reificante.
Os suportes impressos – livro, jornal, revista – estarão resgatados do
perecimento. Salvos no ambiente virtual, poderão ser acessados,
materializados, encarnado a qualquer tempo. Esta revolução, sem dúvida,
impactará a cultura planetária que, escoimada da homogeneização nulificante,
crescerá em diversidade. Cada criador e cada receptor, poderá exercer sua
inteira liberdade e humana diferença.
Aidenor Aires, Marcela Ferrer y Rosita Gomez.
Aidenor Aires nasceu em Riachão da Neves, Bahia – Brasil, em 30/05/1946.
Bacharel em Letras e Direito pela Universidade Católica de Goiás. Presidente
da União Brasileira de Escritores de Goiás. Membro da Academia Goiana de
Letras e Academia Goianiense de Letras. Presidente do Instituto Histórico e
Geográfico de Goiás. Obra: Reflexões do Conflito, 1970; Itinerário da Aflição,
1973; Na Estação das Aves, 1973; Lavra de Insolúvel, 1994; Rio Interior,
poemas; Amaragrei, 1978; O Canto do Regresso, 1979; Tuera – Elegia Carajá,
1980; Aprendiz do Desencanto, 1982; Os Deuses São Pássaros do Vento. 1984; A
Árvore do Energúmeno, contos, 2001; Via Viator, 1986; O Dia Frágil, 2005;
Seleta Poética, antologia, 2005; XV Elegias, 2007; Seiva Resguardada,
tradução, 2007; Mínimo Olhar, crônicas, 2009.
María Esther Robledo B. - Aidenor Aires.
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